segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Marca da Maldade por Bárbara Borges

A marca da maldade
Quando a dualidade humana vem à tona


“Tudo isso confirma exatamente o propósito de Orson Welles: aos medíocres as provas, aos outros a intuição.”
(François Truffaut, 1958)

“Parece-me enfim que A marca da maldade confirma uma ideia [...]: filmado por um diretor inspirado o thriller mais ordinário pode se tornar o mais emocionante fairy tale.”
(François Truffaut, 1998)



Cineasta e ator estadunidense, Orson Welles (1915-1985) iniciou sua carreira no teatro e estreou no cinema de longa-metragem com o filme Cidadão Kane (1941), em que atuou, produziu, roteirizou e dirigiu. Depois de afastar-se de Hollywood, reestreou com A marca da maldade (1958), uma importante obra que, segundo François Truffaut, assim como os demais filmes do “monstro” Welles, mostra o caráter feérico do diretor.

Baseado no romance policial Badge of evil (1956), de Whit Masterson (Robert Allison Wade e H. Bill Miller), o filme A marca da maldade apresenta um policial corrupto, que se gaba por sua intuição apurada, quando na verdade aproveita as falhas do sistema judiciário americano para forjar provas que comprovem sua interpretação dos fatos, não se importando com a acusação de inocentes.

A sua forma de “fazer justiça” aproveitando-se da mediocridade de seus colegas de trabalho, como o sargento Pete Menzies (Joseph Calleia) sempre foi bem-sucedida até que, na resolução de um crime – a morte do casal ocupante de um carro após a explosão de uma bomba-relógio na cena inicial do filme –, depara-se com um policial mexicano que desconfia de seus métodos de investigação, papel de Charlton Heston.

Cenas iniciais, com destaque para o plano-sequência

Estamos diante de um embate maniqueísta que tomará conta do filme, em que o inspetor Hank Quinlan (Welles) utilizará seus métodos para tirar Ramón Miguel Vargas (Heston) de seu caminho – como o rapto da senhora Susan Vargas (Janet Leigh) –, enquanto o policial mexicano buscará as provas necessárias para desmascará-lo. Como apontou Truffaut, é um confronto entre um monstro e um galã simpático.

Entretanto, esse maniqueísmo não deve ser levado ao pé da letra, especialmente quando analisamos Quinlan, um personagem extremamente complexo que, frágil diante do alcoolismo e impotente diante do assassinato de sua mulher, demonstrará as fraquezas humanas, as quais, desde então, tentará superar com a ideia de fazer justiça a qualquer preço, quer dizer, justiça de acordo com o seu ponto de vista.

O embate entre Vargas e Quinlan

Em um filme noir, desprovido da femme fatale entre outros aspectos, porém sem prejuízo para o ótimo resultado alcançado pela construção dos personagens, Welles empreende uma crítica ao mundo onde as virtudes valorizadas são difíceis de serem alcançadas e perdem espaço para os vícios que, no senso comum, deveriam ser evitados, mostrando como ambos são intrínsecos ao ser humano, que de adapta às situações.

Para Truffaut: “O espírito do filme está muito bem resumido no epílogo: a delação e a mediocridade triunfaram da intuição e da justiça absoluta. O mundo é pavorosamente relativo, aproximativo e desonesto na prática de sua moral, impuro em sua equidade”. Assim, imoralidade, amoralidade, moralidade passam pelos olhos do diretor sem preconceitos, o que não impede a emissão de juízos de valor por parte do espectador.

Enquanto em frente às câmeras o diretor critica as pessoas que não assumem o que de fato são, nos bastidores, ele não entra em acordo com seus produtores que não o entendem e o demitem durante a pós-produção do filme, depois de vetarem sua edição, desconsiderando suas indicações. Somente em 1998, o desejo de Welles foi atendido, com o lançamento da nova montagem do filme lançada pela Universal.

Trailer (1998)
http://www.youtube.com/watch?v=NkUv1xFnJ6Q)

Filme sob encomenda com roteiro reescrito em oito dias e filmado em cinco semanas, A marca da maldade é uma obra renegada pelo diretor, mas, além de contar com a sempre bem-vinda atuação do ator Welles, não deixa de carregar muitas das características do cineasta Welles. Analogamente ao filme, embora a mediocridade tenha prevalecido, ela não anulou a intuição, não ofuscou a genialidade do homem George Orson Welles.
A marca da maldade
(Touch of evil, 1958)

Direção: Orson Welles
Roteiro: Whit Masterson, Orson Welles
Gênero: Drama/policial
Origem: Estados Unidos
Duração: 95 minutos





Para saber mais

BAZIN, André. Orson Welles. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

MASTERSON, Whit. A marca da maldade. Tradução de Luís Antônio Aguiar. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. (Suspense Legal.)

TRUFFAUT, François. A marca da maldade (Touch of evil). In: ______. Os filmes de minha vida. Tradução de Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 320-323.

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